Quem chega à ilha, numa manhã de nevoeiro, pensa que está num mundo diferente, impermeável ao que se passa noutros mundos, onde a crise cresce, sem medida, e avança como um “tsunami” de proporções incalculáveis. Não fosse os media e desconheceríamos a queda das bolsas e dos cortes de “rating” à Espanha, à Holanda e a Chipre e de muita informação gerada pela flutuação da actividade financeira.
Aqui vive-se em tranquilidade, esperando que o tempo levante e o sol aqueça para permitir proceder às sementeiras e para desenvolver as espécies frutícolas, nomeadamente as vinhas que, se nada houver em contrário, darão muita e boa uva.
Não há, porém, a garantia que o tempo melhore e os nevoeiros de São João desapareçam. Pois se nem houve inverno?! Quando é que já se viu semear milho e plantar batatas em junho? - lamentava-se há dias um velho padeiro, sentado no patamar da sua porta. - Eu já não entendo nada!...
Aqui por estas bandas que alguns chamam de baixo, não houvesse os jogos do Euro e pouco mais aconteceria para comentar e gerar algum entusiasmo. Uma bandeira aqui, outra lá mais acima, tantas são as casas fechadas cujos donos partiram para não mais voltar.
Não me parece que o entusiasmo pela selecção portuguesa de futebol, resulte de um sentimento patriótico profundo. Se Cristiano Ronaldo na próxima partida não se redimir das perdas incríveis, com um ou dois golos, os desagrados dos portugueses virar-se-á para o jogador do Real Madrid, e nele descarregará todas as suas ilusões e frustrações. E não se pense que alguém vai condená-lo pela fortuna que aufere em Espanha. O rapaz faz o melhor que sabe e até já foi o melhor do mundo, vem de família pobre e tem ajudado muito os irmãos. É um benfeitor e ninguém tem nada com o que ele ganha. Faz por isso e pronto. Tomara que outros tivessem a mesma sorte dele... Mas o euromilhões só sai a alguns!...
Como ia dizendo, por aqui, as dificuldades e as frustrações calam-se com com uma chamarrita bem bailada, com uma novela ouvida religiosamente, com uma prece ao santo padroeiro, com a ajuda aos vizinhos e amigos, ou com um calmante levezinho.
Sim, porque a saúde – sempre a saúde! – traz as pessoas meias adoentadas.
Todos os dias corre gente para o Faial para análises, radiografias, exames, consultas, marcações de consultas, visitas a familiares no hospital, para saber quanto tempo falta ainda para o doutor marcar a operação que se espera há meses sem conta...
Foram tantas alagaduras para ir ao mato ordenhar vacas e tratar dos animais; foram gripes e constipações mal curadas que, agora, estão a refletir-se numa dor nas costas, na dificuldade em andar, nos achaques do coração e da cabeça...tantas doenças por aí, a que a idade da maioria já não traz remédio.
No meio de tanta cramação e do relato da doença que o médico de família não consegue curar, volta, novamente, a conversa do jogo da selecção e a bola perdida do Ronaldo, sozinho, frente ao guarda-redes...
No tempo da outra senhora criticava-se o regime por promover a trilogia dos três F's: futebol, fátima e fado. Todavia, o povo continua a dar-lhes grande importância, sinal de que estão na massa do sangue. Afinal, são actividades representativas da dimensão lúdica, religiosa e sentimental do homem, aquilo a que se designa por idiossincrasia.
Se lhes associarmos a insularidade, essa capacidade de viver e de resistir na ilha, entender-se-á que o nevoeiro de São João, o vento forte e húmido de oeste e do sul, o mar revolto chorando na costa, o aroma das flores do incenso e o sabor das laranjas, são remédios naturais para o rosário de doenças de que padecem os ilhéus. Mas todas elas sem cura!
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